Saúde global – ano novo, nova década, novos desafios e oportunidades

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Neema Elias, 20 anos, segurando a sua recém-nascida no Centro de Saúde de Kharumwa, distrito de Nyang'hwale, Tanzânia, junho, 2019.
Image: WaterAid/ James Kiyimba

Como podemos enfrentar os desafios urgentes da Organização Mundial de Saúde em matéria de água, saneamento e higiene (WASH) em instalações de saúde, superbugs e igualdade nos cuidados de saúde? Dan Jones destaca oportunidades em 2020 para fortalecer a integração na saúde global, incluindo momentos-chave para WASH, nutrição e vacinas.

"A saúde pública é, em última análise, uma escolha política", escreveu o Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), quando publicou uma lista de desafios urgentes de saúde para a próxima década em janeiro.

Criada pela OMS com a contribuição de especialistas globais em saúde em todo o mundo, a lista pretendia ser um apelo urgente à ação que "reflete uma profunda preocupação de que os líderes não tenham investido recursos suficientes em prioridades e sistemas de saúde centrais". Esta mensagem espelha bem a nossa preocupação na WaterAid de que os líderes mundiais não estão a priorizar os fundamentos da boa saúde e dos sistemas de saúde resistentes – água, saneamento e higiene (WASH).

Assegurar a limpeza nos cuidados de saúde

É absolutamente certo que a lista da OMS destaca a questão crítica de "assegurar a limpeza nos cuidados de saúde" (número 13 da lista, que não está ordenada por prioridade). A OMS destaca a crise no WASH tanto nas instalações de saúde, como nas comunidades. Cerca de uma em cada quatro instalações de cuidados de saúde a nível global carece de serviços básicos de água (quase metade nos países menos desenvolvidos). Milhares de milhões de pessoas vivem em comunidades sem água potável para beber ou serviços de saneamento adequados – que são a principal causa de doenças.

Gostámos também de ver o WASH explicitamente mencionado no combate à ameaça das "superbactérias" resistentes aos antibióticos (número 12) e, neste ano do 10.º aniversário do reconhecimento da água e do saneamento, pela ONU, como uma questão de justiça e igualdade (número 3).

O surgimento de um novo coronavírus na China e sua propagação reforça a importância crucial do WASH, com os conselhos da OMS a reiterar que a prática de uma boa higiene das mãos e dos alimentos é uma defesa fundamental contra a infeção e transmissão de doenças.

A parteira Fostina Sedjoah lava as mãos no centro de saúde Katiu CHPS, Upper East Region, Gana.
A parteira Fostina Sedjoah lava as mãos no centro de saúde Katiu CHPS, Upper East Region, Gana.
Image: WaterAid/ Eliza Powell

Podemos sair dos nossos silos?

Torna-se claro que os desafios globais de saúde que o mundo enfrenta agora não podem ser resolvidos através de abordagens restritivas divididas por setores tradicionais. Talvez isso nunca pudesse acontecer. Não digo isto sem hesitação, nem para sugerir que eu, ou a WaterAid, tenha todas as respostas (o setor WASH é tão mau como qualquer outro a sair do seu silo), mas à medida que nos aproximamos do próximo ano, para mim torna-se evidente que a urgência de encontrar abordagens novas, mais colaborativas e integradas, nunca foi maior.

Em muitas das conversas que tive com ministérios da saúde, agências doadoras e ONGIs centradas em questões de saúde, há pouca resistência a abordagens intersetoriais integradas. Por princípio, todos concordam e acenam vigorosamente. No entanto, argumentar com o "porquê" é muito mais simples do que garantir um compromisso com o "como".

A nossa investigação com a Action Against Hunger no Camboja, na Etiópia e em Madagáscar sobre a extensão da integração do WASH e da nutrição destacou as barreiras, incluindo a territorialidade política dos ministros e os incentivos perversos dos doadores que financiam os países para dar prioridade a vitórias tangíveis a curto prazo ao invés de apostarem no reforço sustentável dos sistemas a longo prazo.

Outro desafio é a dificuldade de provar a eficácia de abordagens integradas quando os padrões tradicionais de prova e investigação favorecem os resultados singulares em ambientes cuidadosamente controlados.

Oportunidades para se comprometer com uma abordagem integrada à saúde global em 2020

Na WaterAid, continuamos empenhados em fazer avançar a conversa rumo a soluções realistas e eficazes. Vemos muitas oportunidades no próximo ano para que países e doadores fortaleçam o seu entendimento e deem passos importantes em termos de abordagens integradas que combinem WASH e saúde. Ao longo deste ano, as nossas equipas nacionais irão partilhar os seus conhecimentos, com base na prioridade global Healthy Start da WaterAid.

Por exemplo, em junho, o Governo do Reino Unido será o anfitrião do próximo encontro da GAVI, The Vaccines Alliance. A GAVI e o seu CEO, Seth Berkley, têm sido aliados importantes para a defesa de uma integração eficaz, ajudando a manter presente que o investimento em WASH deve acompanhar o investimento em vacinas. Num evento conjunto na Assembleia Mundial da Saúde, em 2019, centrado na erradicação da cólera, Seth enfatizou que as vacinas podem ajudar a gerir surtos de cólera, mas a solução a longo prazo é o investimento em serviços de WASH para todos. Os doadores e os países que prometem novos financiamentos à GAVI este ano também irão reconhecer, de forma semelhante, a necessidade de investimento em WASH juntamente com o investimento em vacinas, enquanto parte da criação de sistemas de saúde fortes? Esperamos que sim.

Os países que procuram soluções concretas nesta área podem aprender com a abordagem pioneira integrada da WaterAid Nepal, de promoção da higiene através da imunização de rotina, que agora está a ser implementada em todo o país sob a liderança do Ministério da Saúde do Nepal, com o nosso apoio ao desenvolvimento de capacidades. Esta abordagem identificou que uma mãe irá levar o seu bebé a uma clínica de imunização, pelo menos, cinco vezes nos primeiros nove meses de vida da criança, o que faz destes momentos um excelente ponto de contacto, nos quais os profissionais de saúde podem promover bons comportamentos de higiene que irão melhorar a saúde das crianças e das famílias. Outros países do sul da Ásia e África já testaram abordagens semelhantes e estão interessados em aprender, adaptar e ampliar a implementação.

Outro foco fundamental para a comunidade global de saúde em 2020 serão os eventos da cimeira Nutrition for Growth, liderados pelo Governo do Japão a propósito dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020. Estes irão procurar celebrar novos compromissos de financiamento dos governos e dos doadores para acabar com a desnutrição.

Esta é outra área em que na WaterAid, temos trabalhado arduamente para contribuir para a compreensão de que uma abordagem integrada que combine WASH e nutrição pode ser benéfica. Trabalhamos em estreita colaboração com o Movimento Scaling Up Nutrition (SUN) e a parceria Sanitation and Water for All (SWA) para defender uma abordagem multissetorial, documentar e partilhar experiências dos países. No SUN Global Gathering de novembro, participámos num debate proveitoso sobre isso, com experiências partilhadas do Camboja, Etiópia, Madagáscar, Mali e Nepal (leia o resumo do evento aqui). Será que aqueles que assumem compromissos na Nutrition for Growth irão promover uma abordagem multissectorial para combater a desnutrição, tendo como prioridade o setor WASH?

Por fim, vale a pena referir que, quando os ministros da saúde do mundo se reunirem em Genebra, em maio, para a Assembleia Mundial da Saúde, estarão a marcar um ano desde que adotaram a primeira resolução formal para tomar medidas sobre WASH nas instalações de cuidados de saúde. Essa resolução, que demorou anos a ser elaborada e foi, finalmente, aprovada por unanimidade por todos os estados-membros, foi defendida pelos ministros da saúde da Tanzânia e da Zâmbia, e recebeu amplo apoio de países tão diversos como a Austrália, Essuatíni, Índia, Nigéria e todos os Estados-Membros da União Europeia (sim, incluindo o Reino Unido). 12 meses depois, os ministros da saúde terão tomado medidas concretas para cumprir esta promessa? É o que vamos ver.

Como mostra a lista da OMS, os maiores desafios globais de saúde atuais – e, consequentemente, as suas soluções – estão ligados por questões transversais sem limite de fronteiras ou setores. Será que podemos aprender novas formas de trabalhar de forma eficaz em conjunto, entre ministérios e setores, a fim de abordá-los? Em última análise, como o Dr. Tedros referiu, não temos escolha senão fazê-lo, isto se quisermos realizar o sonho de ter saúde para todos.

Todos os desafios desta lista exigem uma resposta de mais do que apenas o setor da saúde. Enfrentamos ameaças partilhadas e temos uma responsabilidade partilhada de agir.

– Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus

Dan Jones é coordenador de defesa na WaterAid UK. Siga-o no Twittere acompanhe a conta do Twitter de políticas, programa e defesa da WaterAid aqui.