De que forma as tecnologias da informação e comunicação podem apoiar com sucesso a prestação de serviços hídricos?

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Mobile-based data collection on water point functionality.
Image: WaterAid - Mobile-based data collection on water point functionality.

As tecnologias de informação e comunicação (TIC) podem dar um suporte importante para aumentar a disponibilidade de dados de WASH e a responsabilização dos prestadores de serviços. No entanto, as iniciativas bem-sucedidas no setor de WASH são limitadas e os resultados dos diversos testes foram mistos. Ellen Greggio, consultora programática da WaterAid para a monitorização e o mapeamento, reflete sobre as principais lições de novas investigações realizadas pela WaterAid e pelos seus parceiros, e sobre os fatores que levam ao sucesso ou ao fracasso das iniciativas de TIC.

As TIC estão em plena expansão e a sua utilização no desenvolvimento está a aumentar exponencialmente (por exemplo, na agricultura e nos serviços bancários online), juntamente com o reconhecimento do seu potencial para aumentar a transparência e a responsabilização. No setor WASH, estamos a assistir a um número crescente de iniciativas que propõem aos cidadãos que indiquem problemas de serviço, tais como avarias de pontos de água, através de SMS ou de sistemas de alerta de chamadas perdidas. Outras iniciativas promovem o uso de telemóveis para aumentar a recolha regular de dados de água, saneamento e higiene (WASH) pelo governo local e por ONG, entre outros, para que sirvam de base ao planeamento e à atribuição de recursos.

Na WaterAid, beneficiamos de um fluxo de dados acelerado e de uma melhoria da qualidade dos dados: por exemplo, graças à mWater, uma plataforma gratuita de recolha e análise de dados baseada em dispositivos móveis. As equipas da WaterAid também lideraram o desenvolvimento de algumas soluções de recolha de dados com base em dispositivos móveis adequadas às necessidades locais, por exemplo, o sistema mPMIS no Bangladeche. Também introduzimos o sistema de mapeamento de pontos de água para apoiar a monitorização do abastecimento de água, facilitar a análise de dados e informar a tomada de decisões com base em evidências para os governos locais ou ONGs, bem como para ajudar as organizações da sociedade civil (OSC) a responsabilizar os prestadores de serviços.

As soluções baseadas em TIC são realmente introduzidas como uma forma de acelerar o fluxo de dados e as informações (por exemplo, sobre a funcionalidade de pontos de água), e como uma nova forma de aumentar a capacidade de os cidadãos responsabilizarem os prestadores de serviços e os governos pela prestação de serviços de água e saneamento. No entanto, frequentemente vemos iniciativas que se centram nas próprias ferramentas e nas suas capacidades detalhadas, em vez de procurarem compreender a capacidade real que essas ferramentas têm para melhorar os processos que pretendem apoiar. A aplicação das ferramentas, o uso dos dados e das informações derivadas é, muitas vezes, negligenciado no debate, levando a muitos "testes-piloto tecnológicos", mas a poucas alterações processuais sustentáveis.

Para aumentar a nossa compreensão dos fatores que promovem ou inibem iniciativas de relatórios de TIC para melhorar a prestação de serviços de água, a WaterAid, em colaboração com a IRC e a Itad, concluiu recentemente o projeto de investigação "Testing the Waters", com o apoio do programa Making All Voices Count. A investigação analisou diferentes iniciativas de TIC destinadas a apoiar os serviços hídricos rurais, para entender que aspetos levam ao sucesso ou fracasso, começando pela conceção da solução e avançando até ao contexto mais abrangente. A investigação teve como objetivo responder à seguinte pergunta: "Como é que quem vai buscar água – muitas vezes, mulheres e crianças – pode usar as TIC para receber melhores informações sobre o seu abastecimento de água, bem como relatar preocupações e questões de uma forma que leve a uma resposta por parte do prestador de serviços e a um melhor serviço?"

Lições de sucessos e fracassos

Algumas lições fundamentais da investigação incluem:

1. Embora muitas iniciativas de TIC defendam o aumento dos relatórios dos cidadãos sobre os serviços de água,
as abordagens de TIC com base no crowdsourcing (relatórios de cidadãos)
tiveram muitas dificuldades em mobilizar os cidadãos
para que agissem e relatassem problemas associados
aos serviços de água. Isto aconteceu por vários motivos:

  • A informação é muito técnica e nem todos os cidadãos estão familiarizados com ela.
  • Os cidadãos não têm confiança na resposta dos prestadores de serviços aos relatórios e na sua capacidade ou vontade de resolver problemas ("Por que nos havemos de dar ao trabalho se nada acontece?").
  • A ferramenta ou mecanismo de comunicação (por exemplo, SMS ou aplicações) não é acessível nem familiar para todos os cidadãos.

Por exemplo, a iniciativa-piloto de crowdsourcing "Maji Matone", na Tanzânia, tinha o objetivo de fazer com que os cidadãos enviassem informações sobre a operacionalidade dos pontos de água, para além de visar aumentar a atenção dos meios de comunicação para o problema. Os jornalistas de rádio informavam quando a manutenção não tinha sido realizada, para pressionar os governos locais e acelerar uma resposta. Os cidadãos não se envolveram da forma esperada, devido ao medo de exposição pessoal e da confiança limitada na probabilidade de os políticos responderem aos relatórios. O teste foi considerado um fracasso e terminado.

2. Embora muitas das inovações e dos desenvolvimentos de TIC soem atrativos, quando
são implementados, precisam de ser contextualizados, adaptados para se adequarem aos utilizadores
finais e para a
capacidade local(técnica e financeira, etc.).

A iniciativa M4W, no Uganda, tinha como objetivo acelerar as comunicações entre as comunidades, os mecânicos de bombas manuais e os funcionários do distrito local quando os pontos de água falhavam, com recurso a relatórios simples enviados por SMS. Nalguns distritos, a iniciativa gerou um envolvimento limitado de utilizadores, que não viam os benefícios em comparação com os mecanismos existentes para entrar em contacto com os mecânicos ou a equipa distrital. Além disso, o sistema era baseado em SMS, que não são familiares para todos os utilizadores; estes preferiam fazer chamadas telefónicas para relatar avarias nos pontos de água.

3. As iniciativas de relatórios ou monitorização dos serviços de água baseadas nas TIC devem ser integradas
nos modelos de prestação de serviços e nos fluxos de informação existentes ou necessários.

Isto é necessário para garantir a capacidade de resposta dos prestadores de serviços – ou seja, a reparação de um ponto de água
(serviços públicos, governo ou outros) – e incentivar o envio regular de relatórios.

Nas áreas urbanas, onde os serviços públicos são responsáveis pela prestação de serviços, várias iniciativas de TIC têm sido bem-sucedidas na melhoria dos serviços e da satisfação dos clientes, levando a um maior envolvimento dos cidadãos. Por exemplo, a iniciativa "NextDrop" na Índia fornece aos utilizadores informações atempadas sobre a disponibilidade de água na rede, reduzindo o tempo despendido a esperar pelo abastecimento de água nas torneiras. As informações são recolhidas por um responsável que trabalha na rede de água e que informa os utilizadores, além de fornecer informações preciosas ao serviço público, para fins de planeamento e gestão. Neste caso, as iniciativas de TIC visam apoiar o fluxo de informações na relação já existente entre o prestador de serviços (serviço público) e os utilizadores.

Noutros casos, as TIC foram introduzidas para apoiar o acompanhamento regular das administrações locais e/ou nacionais, a fim de acelerar o fluxo de informações. Em Timor-Leste, o sistema de monitorização regular do Sistema de Informação sobre Água e Saneamento (SIBS) introduziu relatórios de inquéritos por SMS como parte da recolha de dados sobre água e saneamento das comunidades rurais. Os dados servem de base para o planeamento regular e a atribuição de recursos a intervenções prioritárias por parte da administração local.

Iniciativas futuras: TIC para amplificar o fluxo de informação existente

Uma das principais razões para a lenta implementação das TIC no setor de WASH é a dificuldade de demonstrar claramente a melhoria dos serviços ou práticas de WASH impulsionada por iniciativas de TIC. Geralmente, isto faz com que os utilizadores fiquem desmotivados. Isso acontece quando os cidadãos comunicam falhas nos pontos de água e não recebem uma resposta (ou seja, manutenção do ponto de água).

Ao implementar uma iniciativa de monitorização baseada em TIC, é importante entender os principais fatores para a iniciativa, a forma como os utilizadores se irão envolver e como isso impacta os sistemas existentes, a responsabilização e as relações. Algumas questões importantes a abordar ao introduzir a monitorização baseada em TIC no WASH incluem:

  • Que informação é realmente necessária?
  • Quem vai recolher as informações (e a que custo!) e quem vai utilizá-las?
  • A iniciativa de TIC desenvolve e apoia os fluxos de informação existentes, ou os mecanismos de monitorização ou comunicação de informações?

E, em particular, se analisarmos o crowdsourcing ou as iniciativas de relatórios de cidadãos, há outros aspetos a considerar:

  • Os cidadãos são capazes de e estão dispostos a comunicar problemas de prestação de serviços?
  • Os prestadores de serviços, os funcionários de serviços públicos ou governamentais estão dispostos a ouvir e têm capacidade para responder aos relatórios dos cidadãos?
  • É possível demonstrar os benefícios finais da iniciativa de TIC, para gerar confiança e vontade dos utilizadores para se envolverem?

Outras investigações financiadas pela Making All Voices Count também analisam o uso das TIC – em particular, uma delas deu origem a este assistente de apoio à seleção de ferramentas digitais muito útil, que pode ajudar ainda mais a desenvolver novas iniciativas.

Os meios para um fim

Para concluir, as TIC devem ser meios para um fim; podem ser usadas para aumentar e acelerar o fluxo de informações e dados, amplificar a voz dos cidadãos ou prestadores de serviços e responder a uma necessidade real de informação, com o objetivo final de melhorar as relações através de uma maior responsabilização.

Para garantir que os serviços WASH são fornecidos e mantidos para todos, os prestadores e as instituições governamentais precisam de ter sistemas de monitorização de serviços mais robustos e dados regulares, para que sirvam de base ao planeamento e à gestão. As TIC podem desempenhar um papel importante no apoio a estes processos. No entanto, como vimos, para conquistar e manter a utilização das TIC por parte de comunidades, administrações locais e governos, é necessário ter em conta as capacidades locais e o contexto, e o uso final dos dados deve servir de base para criar soluções, ao invés de suceder o contrário. Esta é a abordagem que gostaríamos de fazer avançar, sobretudo ao trabalhar com os governos locais e nacionais.

Enquanto continuamos a aprender com as nossas iniciativas e com as de outros, precisamos de lembrar que, à semelhança do que acontece com muitas inovações, é necessário colocar menos ênfase na tecnologia em si e mais nos processos que pode, realmente, apoiar, e como.

Ellen Greggio está no Twitter como @EllenGreggio
 

1 O programa Making All Voices Count visa aproveitar a capacidade dos cidadãos para monitorizar o desempenho do governo e expressar os seus pontos de vista em tempo real, e tem o potencial de tirar partido de novas tecnologias para tornar os governos mais eficazes e responsáveis, promover a transparência, combater a corrupção e capacitar os cidadãos.