Em que consistem as evidências sobre nutrição e água, saneamento e higiene para os programas e para as políticas?
2019 tem assistido a um intenso debate em torno dos resultados de grandes estudos sobre o impacto das intervenções de água, saneamento e higiene (WASH) no atraso de desenvolvimento infantil. Que implicações têm as evidências para WASH em termos de programação e política nutricional? Megan Wilson-Jones e Kyla Smith, com a Action Against Hunger, o Banco Mundial e o SHARE Consortium, resumem uma sessão de colaboração e parceria na conferência sobre WASH e saúde da Universidade da Carolina do Norte.
Eliminar as lacunas: traduzir a investigação na prática
As últimas evidências que ligam intervenções de WASH ao atraso de desenvolvimento infantil – particularmente dos estudos WASH Benefits no Bangladexe e no Quénia e SHINE — tem implicações importantes para a futura programação, políticas e investigação de WASH e nutrição, conforme descrito na declaração de consenso publicada na BMC Medicine.
Na conferência WASH and health: where science meets policy (WASH e saúde: onde a ciência encontra as políticas) na Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, os participantes académicos, doadores, governos e ONGs reuniram-se numa sessão para traçar um caminho para uma melhor colaboração entre várias partes interessadas e parcerias. O objetivo era compreender melhor os resultados de investigação recentes, melhorar a conceção e a definição de prioridades dos estudos e fornecer ideias práticas para a adoção e a tradução dos resultados da investigação em políticas e práticas.
Embora este fosse apenas um debate inicial sobre o tema, surgiram temas e recomendações comuns.
1. Precisamos de começar o planeamento conjunto cedo e pelo princípio
O planeamento conjunto atempado de programas por diversas partes interessadas e setores, incluindo académicos, financiadores e executores, é fundamental para garantir que as prioridades de pesquisa são adequadas ao contexto e replicáveis em ambientes reais. Os pontos de entrada definidos, acordados por todas as partes interessadas, são importantes para ajudar na colaboração.
Recomendações:
- Financiadores e doadores: incentivar as agências de implementação de WASH e nutrição e os investigadores a colaborarem entre si, para além de disponibilizar espaço e fundos para isso.
- Investigadores: envolver participantes e executores da linha da frente de vários setores desde o início, de uma forma significativa.
- Executores: trabalhar com instituições de investigação e procurar novas parcerias e perspetivas – isso requer tempo, esforço e persistência.
- Todos: utilizar plataformas de priorização de investigação, com envolvimento intersetorial e interdisciplinar.
2. Podemos não estar todos de acordo, mas diferentes setores e intervenientes devem unir-se em vez de se fecharem nos seus silos
O projeto de investigação deve ter capacidade de resposta e incluir parcerias com o governo, executores, cidadãos e outros que irão utilizar as conclusões. A investigação deve ser concebida para perguntar "como" e "porquê", a fim de identificar intervenções de WASH que possam trazer um acesso sustentado e inclusivo a WASH. Devemos também ter em conta as implicações do tipo de perguntas colocadas, sobretudo o seu valor e riscos num contexto do mundo real.
Os investigadores devem esforçar-se por entender os contextos económicos e sociais dentro das comunidades locais antes de projetar intervenções WASH. As abordagens transformacionais necessárias nem sempre podem ser realizadas apenas por um setor. Ao longo da vida de uma criança e em cada fase de desenvolvimento, as necessidades e os requisitos de WASH seguros provavelmente irão mudar. Ao integrar melhor o WASH com a saúde e a nutrição ao longo dos cuidados de saúde contínuos, podemos realizar as intervenções apropriadas no momento certo.
Recomendações:
- Investigadores: considerar a possibilidade de replicar as intervenções relacionadas com a investigação em programas e projetos de campo. As intervenções devem cumprir as normas de qualidade básicas reconhecidas internacionalmente, sem se tornarem demasiado complexas ou dispendiosas.
- Doadores: financiar consórcios de investigação de várias partes interessadas para dar resposta às principais lacunas em termos de investigação, mais concretamente, as perguntas "como" e "porquê", apoiar ciclos de financiamento mais longos e abordagens de investigação inovadoras.
- Executores: procurar parcerias com investigadores para integrar na investigação e considerar como trabalhar com académicos para melhor captar evidências e lições da programação contínua.
3. Partilhe resultados adequadamente para cada público-alvo
Doadores, executores e decisores políticos nem sempre são capazes de digerir as nuances, as várias descobertas e as complexidades dos resultados da investigação de WASH e nutrição. Estudos como o SHINE no Zimbabué fizeram com que alguns doadores descartassem por completo a relevância das intervenções de WASH e nutrição.
Temos de resumir as evidências e apresentá-las em formatos facilmente compreensíveis para ajudar a defender intervenções de WASH e nutrição relevantes para o contexto. Igualmente importante, as organizações de implementação devem trabalhar em estreita colaboração com os investigadores para compreender as implicações que os novos resultados dos estudos e as evidências mais genéricas têm sobre as intervenções em curso e futuras. 1
Recomendação:
- Investigadores e executores de WASH: ajudar o público não técnico, especialmente os doadores, a entender melhor os diferentes componentes de WASH através de uma comunicação mais simples, ajudando a esclarecer que intervenções e ações têm que efeito, e sobre que resultados.
4. O que devemos fazer mais? O que devemos parar de fazer?
Neste momento, temos uma janela de oportunidade para estabelecer intervenções mais multissetoriais e integradas, devido ao aumento do reconhecimento global da importância do WASH na saúde, nutrição e agricultura. Isto alarga o âmbito de projetar intervenções de WASH restritivas para abordagens mais amplas, como prevenir infeções adquiridas em cuidados de saúde, aumentar a produção de alimentos e criar resiliência às alterações climáticas.
Do ponto de vista de um profissional, parece ser mais fácil para o setor WASH integrar-se no setor de nutrição do que vice-versa. Os profissionais de WASH devem considerar maximizar o impacto das intervenções de WASH através de melhores programas de direcionamento, com base na vulnerabilidade ou na necessidade de nutrição, direcionados para grupos como mulheres grávidas e crianças menores de dois anos de idade.
Recomendações:
- Coordenação e colaboração: todas as partes interessadas devem assumir a responsabilidade de alcançar outros setores e estabelecer plataformas para envolvimento e colaboração regulares.
> Assista à nossa curta-metragem, criada com a Action Against Hunger, que resume as recomendações da nossa investigação Practical pathways to integrate nutrition and WASH (Vias práticas para integrar nutrição e WASH).
Qual é o caminho a seguir a partir daqui?
Corremos o risco de nos paralisarmos com a investigação, ou a falta dela – e estamos perdidos no processo [tal como o setor WASH].
– participante na sessão da UNC.
Os debates entre investigadores, doadores e profissionais de WASH certamente destacaram a complexidade do WASH para conceber a investigação em nutrição. Ao longo da conferência da UNC, houve várias declarações que encorajavam a considerar estudos no contexto de um conjunto mais amplo de evidências, e a deixar de fazer intervenções simples e autónomas.
Houve um apelo renovado que reforçou a necessidade de fazer melhor – para que todos nós sejamos melhores na colaboração, considerando a abordagem e o objetivo final da investigação que projetamos, comunicando claramente as descobertas e as implicações para todas as partes interessadas.
Com base nos debates desta sessão, complementados pela análise da Declaração de Consenso, e numa nova resposta da OMS e da UNICEF, fica claro que, no geral, estes estudos destacam a necessidade de "fazer mais WASH para a nutrição, não menos".
1 Isto pode não se aplicar à desnutrição aguda em situações de emergência, em que intervenções relativamente simples e de baixo custo se mostraram eficazes (por exemplo, estudo TISA no Senegal com a ACF e a LSHTM).
Megan Wilson-Jones é analista sénior de políticas de saúde e higiene na WaterAid UK. Kyla Smith é gestora de investigação na WaterAid UK. Este blogue foi escrito em colaboração com os organizadores da sessão da UNC, a Action Against Hunger, o Banco Mundial e o SHARE Consortium.